Hoje é meu aniversário e meu deu vontade de postar um texto que fiz há mais de 1 ano para uma aula de Sermonário Barroco Português, com o professor Marcus Motta. Tive vontade de postar porque qualquer coisa que produzi inspirada por Marcus é um pedaço de mim que não quero esquecer. Um pedaço de mim que nasceu com a descoberta de Fernando Pessoa e seus heterônimos. Então, lá vai:
Parece realmente desumano quando a vida nos toca. O problema é que, na verdade, é tão humano que nos faz sofrer. Sendo assim, é mais fácil superar - ou fazer o que chamamos de “superar” - para conseguirmos viver. A gente esquece fácil, não é mesmo?
Igualmente desumana parece a arte, pois nos toca com sua vida. Acredito que a maioria de nós não se permite à articidade por não conseguir lidar com a vida. Não cultivamos os momentos de produção sensível, solitários, imersos em nós mesmos, porque não sabemos o que fazer com isso. Com “isso” me refiro aos mais sublimes sentimentos, sentidos à flor da pele, exalados pelos nossos poros e contidos em nossas almas. Em todas as almas. Acredito que todos temos esse lado sensível, mas poucos buscamos ocasiões para fazê-los notáveis.
O momento de produção de arte ou contemplação das coisas à nossa volta nos mostra um lado nosso que parece não ter lugar para existir. Esse é o desassossego de Bernardo Soares. A coexistência de dois mundos paralelos, que nunca se cruzam. Em um, faz-se dia e Soares é um mero funcionário. Em outro, na infinitude das noites, ele alucina, sonha, faz literatura, vê o mundo com os olhos de todos, que lhe são dados pelo anoitecer. Nesse momento, ocorre o encontro dele com ele mesmo. E com todo mundo, pois ele é todo mundo. Não é diferente para ninguém que produz arte. Este é um ato de coragem, cuja retribuição é ser quem quiser e sentir todos e tudo. Mas quem está preparado para isso? Para a vida, eu diria?
Ler o Livro do Desassossego é como se nos dessem uma chave para o paraíso, mas não soubéssemos onde ele fica. É o desvelar de infinitas possibilidades de vida, que só a arte pode nos mostrar, mas que exigem de nós o encontro que muitos evitamos. Esse encontro com a sutileza das coisas muitas vezes dói. Dói de tão belo, de tão triste, de tão humano, de tão horrível – dói porque sentimos demais. Mas é uma dor que eleva. Contraditório mesmo. Ser humano é assim. Ser desassossegado. E não tem volta.